sexta-feira, 24 de outubro de 2008

INACABADO.

Intensificava o brilho nos olhos dela quando os faróis reluziam anunciando a chegada da noite. Ela estava ao meu lado, não importava minha extensa lista de fracassos, minha roupa barata ou o meu tipo ultrapassado eu tinha algo que ela queria, que fazia ela estar ali.
Está noite ela era minha. Mal sabia como agir. O tempo se arrastava feito uma lesma no leito de morte e a fila estava à mesma de duas horas atrás. Aquela situação estava se tornando um tanto desagradável. Todas as palavras ensaiadas fugiam com desespero de minha boca, o silêncio foi tornando-se cruel. Ela me fitava com um ar impaciente. Fui tomado por uma agonia e decidi que não permitiria que esta situação se estendesse por mais um segundo sequer. Ia agir quando senti por trás de mim uma mão pesada que me jogou contra a parede áspera.

- Sai da frente seu palerma - soou uma voz grossa e nítida

Quando abri os olhos pude me dar conta da origem, um grandalhão careca colecionador de tatuagens. Encolhi-me feito um menino e rezei mentalmente para que aquele olhar dilacerador do dono da bandana preta não fosse para mim. Mas como típico sortudo que sou. Sim eu era o alvo. Sem o menor pudor ele descansou suas mãos sujas sobre o corpo dela. Senti-me incomodado com a repugnância que os olhos dela exalavam e não tive outra escolha senão partir para cima dele. Humilhado e envergonhando ainda me restavam um olho roxo e sensação de ser um saco recheado de ossos quebrados.

Com a delicadeza de uma pluma ela pôs as mãos sobre meus ferimentos atestando a gravidade de cada um.
- Você está bem? –perguntou ela com preocupação
- Sim, estou. – respondi áspero.

Maldita hora em que eu fui contratar esta puta, assumo que quis acreditar que ela não fosse como todas. O que a solidão não faz com um homem. Talvez seja algo que eu não queira confessar, talvez. Nunca estive com uma mulher antes. Nunca soube. Não foi difícil me sentir atraído por um par de coxas magricelas cobertas por um exíguo pedaço de pano, propositalmente. Um rosto pálido, apesar de tudo inocente. Eu a desejei por um instante, ou mais. Ela me desejou por uns míseros trocados.

- Se levanta! –pediu ela se contorcendo de força tentando me erguer.
- Você pode ir embora, toma aqui o seu dinheiro – entreguei a ela um bolo amassado com algumas notas.
- Não precisa disso cara, nem fizemos nada –recusou o dinheiro, colocando o bolo amassado de volta no meu bolso. –E além do mais, valeu por ter me defendido daquele escroto, não é porque eu sou da vida, que qualquer porco pode sair colocando a mão em mim.
- Defender? Você só pode estar brincando, foi vergonhoso!
- É não foi lá essas coisas, mas o que vale é a intenção. –disse ela soltando um riso espontâneo.

O clima ficou bem menos tenso do que na fila da boate, o excesso de gestos que ela fazia ao falar e as histórias malucas soando em um vocabulário chulo, ela soube me entreter e sem que eu me desse conta estava perto de casa. Onde estava com a cabeça levando uma puta para minha casa.

- Já chegamos. -disse apressado.

Ela me fitou com um olhar malicioso e eu não soube como agir. Idiota, idiota, xinguei o meu íntimo. Eu estava ofegante e não era difícil inalar o perfume barato dela que adentrava em minhas narinas anestesiando minha agonia, as mulheres feriam meu tradicional comportamento e bom senso.

- Não vai nem me convidar pra entrar? –animou-se rapidamente.
- É melhor você ir embora
- É isso mesmo que você quer?
- Há dúvidas? – entreguei novamente o dinheiro a ela e apontei o caminho pra rua.
- Então ta bom valentão, vê se cuida deste olho roxo, até mais.

Até mais? Ela esperava mesmo que nos encontrássemos de novo? Aquela figura enigmática foi se distanciando e em incontáveis passos se perdeu em meio aos feixes de luzes da avenida. Uma mistura sensual com um ar inocente.

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Pequenos Prazeres.